sábado, 29 de novembro de 2008

29 de novembro de 2008


Começo hoje, no dia 29 de novembro de 2008, com uma citação de Krishnamurti primeiro pensando sobre o fundamentador do pensamento, e segue com uma de Agostinho da Silva dizendo sobre como sermos mais presentes no mundo, como reconhecer que parte daquilo que vivemos está somente no que trazemos como visão para nós mesmos. Podemos mudar tudo através do manuseio do ponto de vista! E apresento em seguida 'Fernão Capelo Gaivota' de Richard Bach que contém mostras evidentes de uma felicidade que de fato torna as coisas melhores. Boa leitura!

Sávio

Primeiro, fincando estacas. - Krishnamurti


"Quando vocês forem capazes de ver claramente, sem nenhuma distorção, então vocês começarão a indagar a natureza da consciência. Vocês tem que indagar todo o movimento do pensamento, porque o pensamento é o responsável por todo o conteúdo da consciência, tanto das camadas profundas quanto das superfíciais. Se vocês não possuíssem nenhum pensamento, não haveria nenhum medo, nenhum sentido de prazer, nenhum tempo; o pensamento é o responsável pela beleza de uma grande catedral, mas o pensamento também é o responsável por todo o contra-senso que acontece dentro de uma catedral. Todas as realizações dos grandes pintores, poetas, compositores são atividades do pensamento: o compositor, ouvindo interiormente o maravilhoso som, registra-o no papel. Esse é o movimento do pensamento. O pensamento é responsável por todos os deuses do mundo, todos os salvadores, todos os gurus, por toda obediência e devoção; o todo é o resultado do pensamento que procura gratificação e evasão da solidão. O pensamento é o fato comum a toda humanidade. O mais pobre aldeão na Índia pensa como o diretor executivo, como o líder religioso. Este é o terreno sobre o qual estão todos os seres humanos. Não se pode escapar disso."

Krishnamurti in 'A rede do pensamento'

A lucidez como melhoria - Agostinho da Silva


Creio que uma das atitudes fundamentais do homem humano deve ser a de reconhecer em si, numa falta de compreensão ou numa falta de acção, a origem das deficiências que nota no ambiente em que vive; só começamos, na verdade, a melhorar quando deixamos de nos queixar dos outros para nos queixarmos de nós, quando nos resolvemos a fornecer nós mesmos ao mundo o que nos parece faltar-lhe; numa palavra, quando passamos de uma atitude de pessimista censura a uma atitude de criação optimista, optimista não quanto ao estado presente, mas quanto aos resultados futuros. O mesmo terá já dado um grande passo para impedir os ataques, quando aceitar que só puderam existir porque a sua acção não foi o que deveria ter sido; quando se lembrar ainda de que toda a sua coragem se não deve empregar a combater, mas a construir.

Agostinho da Silva, in 'Textos e Ensaios Filosóficos'

A evidência do otimismo - Richard Bach


"Quando Fernão Gaivota se juntou ao bando na praia era já noite cerrada. Estava tonto e tremendamente cansado. Apesar disso, não resistiu ao prazer de voar num 'loop' para terra e de fazer um 'snap roll' antes de aterrar. 'Quando souberem do triunfo', pensava 'ficarão loucos de alegria. Como vale a pena agora viver! Em vez da monótona labuta de procurar peixe junto dos barcos de pesca, temos uma razão para estar vivos! Podemos subtrair-nos à ignorância, podemos encontrar-nos como criaturas excelentes, inteligentes e hábeis. Podemos ser livres! Podemos aprender a voar!' "

in Fernão Capelo Gaivota de Richard Bach

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

27 de novembro de 2008


Hoje, ao 27 de novembro de 2008, com Baron de Montesquieu, abro mostrando como o belo esconde-se onde não necessariamente parece-nos belo, porque ele tem sua característica de reserva. A condição de belo está para além das fronteiras dos nossos sentidos, está para além daquilo que alcancamos de forma superficial. Ele ao contrário do que se pensa, não prende, mas liberta, e poderemos ver isso se tivermos paciência de enfrentar Hegel na segunda postagem. Mais a frente pensei em Fernando Pessoa, em sua forma de ser quase platônico dando valor para a beleza na fundamentação de sua coisa, naquilo que está sua proposta, naquilo que está seu empenho, seu labor, seu erigir!
E ao final do dia, mesmo querendo preservar mais para o tema, que provavelmente voltará para nossa atenção, jogo-lhes um trecho de O Retrato de Dorian Gray, onde Wilde mostra-nos como de fato se romanceia Hegel e aquilo que alguns chamam de intuição (sera?).

Sávio

Primeiro, onde? - Montesquieu


Por vezes existe nas pessoas ou nas coisas um charme invisível, uma graça natural que não pôde ser definida, a que somos obrigados a chamar o «não sei o quê». Parece-me que é um efeito que deriva principalmente da surpresa. Sensibiliza-nos o facto de uma pessoa nos agradar mais do que deveria inicialmente e somos agradavelmente surpreendidos porque superou os defeitos que os nossos olhos nos mostravam e que o coração já não acredita. Esta é a razão porque as mulheres feias possuem muitas vezes encantos que raramente as mulheres belas possuem, porque uma bela pessoa geralmente faz o contrário daquilo que esperávamos; começa a parecer-nos menos estimável. Depois de nos ter surpreendido positivamente, surpreende-nos negativamente; mas a boa impressão é antiga e a do mal, recente: assim, as pessoas belas raramente despertam grandes paixões, quase sempre restringidas às que possuem encantos, ou seja, dons que não esperaríamos de modo nenhum e que não tinhamos motivos para esperar.
Os encantos encontram-se muito mais no espírito do que no rosto, porque um belo rosto mostra-se logo e não esconde quase nada, mas o espírito apenas se mostra gradualmente, quando quer e do modo que quer; pode esconder-se para surgir de novo e proporcionar essa espécie de surpresa que constitui os encantos.

Baron de Montesquieu, in "Ensaio Sobre o Gosto"

Á liberdade do que é belo - Hegel


I - Chamamos ao belo ideia do belo. Este deve ser concebido como ideia e, ao mesmo tempo, como a ideia sob forma particular; quer dizer, como ideal. O belo, já o dissemos, é a ideia; não a ideia abstracta, anterior à sua manifestação, não realizada, mas a ideia concreta ou realizada, inseparável da forma, como esta o é do principio que nela aparece. Ainda menos devemos ver na ideia uma pura generalidade ou uma colecção de qualidades abstraídas dos objectos reais. A ideia é o fundo, a própria essência de toda a existência, o tipo, unidade real e viva da qual os objectos visíveis não são mais que a realização exterior. Assim, a verdadeira ideia, a ideia concreta, é a que resume a totalidade dos elementos desenvolvidos e manifestados pelo conjunto dos seres. Numa palavra, a ideia é um todo, a harmoniosa unidade deste conjunto universal que se processa eternamente na natureza e no mundo moral ou do espírito.
Só deste modo a ideia é verdade, e verdade total.
Tudo quanto existe, portanto, só é verdadeiro na medida em que é a ideia em estado de existência; pois a ideia é a verdadeira e absoluta realidade. Nada do que aparece como real aos sentidos e à consciência é verdadeiro por ser real, mas por corresponder à ideia, realizar a ideia. De outro modo, o real é uma pura aparência.

II - Agora, se dizemos que a beleza é a ideia, é porque beleza e verdade, num certo aspecto, são idênticas. Há, contudo, uma diferença entre o verdadeiro e o belo.
O verdadeiro é a ideia considerada em si mesma, no seu principio geral e em si e pensada como tal. Não existe, pois, para a razão sob a sua forma exterior e sensível, mas no seu carácter geral e universal. Quando o verdadeiro aparece imediatamente ao espírito na realidade exterior e a ideia se confunde e se identifica com a sua aparência exterior, então a ideia não é somente verdadeira, mas também bela.
Define-se, pois, o belo: a manifestação sensível da ideia (Dassinnlich Scheinen der Idee).
No belo, a forma sensível nada é sem a ideia. Os dois elementos do belo são inseparáveis. Aqui está porque, do ponto de vista da razão lógica ou da abstracção, o belo não pode compreender-se. A razão lógica (Verstand) nunca apreende mais que um dos lados do belo: fica no finito, no exclusivo e falso. O belo, pelo contrário, é em si mesmo infinito e livre.

III - O carácter infinito e livre reconhecia-se quer no sujeito, quer no objecto, e neste do duplo ponto de vista teórico e prático.
1º O objecto, no seu aspecto teórico (especulativo), é livre, visto que não está equilibrado como uma simples existência particular e individual, que, como tal, tem a sua ideia subjectiva (sua íntima essência e a própria razão de ser) fora de si mesma, desenvolve-se sem regra e sem lei, dispersa-se e perde-se na multiplicidade das relações exteriores. Porém, o objecto belo deixa ver a sua própria ideia realizada na sua existência mesma e nessa unidade interior que constitui a sua vida. Por ela, o objecto (...) libertou-se de toda a dependência do que não seja ele mesmo. Perdeu o seu carácter finito e limitado para se transformar em infinito e livre.
Por outro lado, o sujeito, o eu, em sua relação com o objecto, cessa igualmente de ser uma simples abstracção, um sujeito que percepciona e observa fenómenos sensíveis e os generaliza. Chega a ser concreto neste objecto, porque toma nele consciência da unidade da ideia e da sua realidade, da reunião concreta dos elementos que anteriormente estavam separados no eu e no seu objecto.
2º Sob o aspecto prático, como foi demonstrado anteriormente, não existe o desejo na contemplação do belo. O sujeito retira os próprios fins perante o objecto, que considera como existindo por si mesmo, como tendo fim próprio e independente. Por isso, o objecto é livre, visto que não é um meio, mas um instrumento afecto a outra existência. Por seu turno, o sujeito (o espectador) sente-se inteiramente livre porque a distinção entre os seus fins e os meios para satisfazê-los desaparece nele, porque, para ele, a necessidade e o dever de preencher estes fins, realizando-os e objectivando-os, não o retêm na esfera do finito, e, pelo contrário, tem ante si a ideia e o fim realizado de modo perfeito.
Eis aqui porque a contemplação do belo revela algo de liberal; permite ao objecto manter-se na sua existência livre e independente. O sujeito que contempla não sente qualquer necessidade de possui-lo ou de utilizá-lo.
Ainda que livre e fora de todo o alcance exterior, o objecto belo contém todavia, e deve conter em si, a necessidade como relação necessária que mantém a harmonia entre os seus elementos; não aparece, porém, sob a forma da necessidade, porquanto deve dissimular-se sob a aparência de uma disposição acidental onde não penetra qualquer intenção. De outro modo, as diferentes partes perderão a propriedade de serem por si mesmas e para si mesmas. Estão ao serviço da unidade ideal, que as mantém sob a sua dependência.
Em virtude deste carácter livre e infinito que reveste a ideia do belo, como o objecto belo e a contemplação dele, o domínio do belo escapa à esfera das relações fintas e eleva-se à região da ideia e da sua verdade.

Georg Hegel, in ' Do Belo e Suas Formas '

A empenho do que é belo - Fernando Pessoa


A beleza começou por ser uma explicação que a sexualidade deu a si-própria de preferências provavelmentente de origem magnética. Tudo é um jogo de forças, e na obra de arte não temos que procurar «beleza» ou coisa que possa andar no gozo desse nome. Em toda a obra humana, ou não humana, procuramos só duas coisas, força e equilíbrio de força - energia e harmonia.
Perante qualquer obra de qualquer arte - desde a de guardar porcos à de construir sinfonias - pergunto só: quanta força? quanta mais força? quanta violência de tendência? quanta violência reflexa de tendência, violência de tendência sobre si própria, força da força em não se desviar da sua direcção, que é um elemento da sua força?

Fernando Pessoa, in 'Correspondência'

O julgar pelas aparências - Oscar Wilde


A beleza é uma forma de Génio... diria mesmo que é mais sublime do que o Génio por não precisar de qualquer explicação. É um dos grandes factos do mundo, como a luz do sol ou a Primavera, ou o reflexo nas escuras águas dessa concha de prata a que chamamos lua. É inquestionável. Tem um direito de soberania divino. Eleva os seus possuidores à categoria de príncipes. Está a sorrir ? Ah, quando a tiver perdido com certeza que não há-de sorrir... às vezes as pessoas dizem que a Beleza é apenas superficial, e pode bem ser. Mas pelo menos não é tão superficial como o Pensamento. Para mim, a Beleza é a maravilha das maravilhas. Só as pessoas frívolas é que não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível e não o invisível...

Oscar Wilde, in 'O Retrato de Dorian Gray'

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

26 de novembro de 2008

Nesse 26 de novembro do ano de 2008 busquei sobre a força, mas em várias coisas que não nela mesma, porque as vezes ela aparece não por si, mas pela evidência dela em nosso comportamento e pensamento. Parti por Descartes, porque como lhe é típico ele pela pelo julgamento, que parece fundamental para a estruturação de qualquer força, que não parece acontecer onde não há vontade. Continuei com dois textos de Sêneca onde ele reflete sobre a técnica, e a força, sobre o homem, e onde nele estará a força senão em músculos, ou os músculos serão outros! Ao final, Kafka caminha sobre os conceitos, trazendo-nos pra mais perto do chão. Chega de abstração por agora! Passemos ao narrar, ao acontecer, ao viver em seguida...

Sávio

A força evidencia-se por si - Kafka


Se caminhasses num terreno plano, se tivesses a boa vontade de caminhar e desses apesar disso passos à rectaguarda, então tratar-se-ia de um caso desesperado; mas como sobes um pendor tão escarpado como tu próprio visto de baixo, os passos para trás só podem ser provocados pela natureza do terreno e não tens que desesperar.

Franz Kafka, in 'Meditações'

O temor combate-se - Sêneca


Não haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se fôr mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em acção a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.

Estabelece equilíbrio, pois, entre a esperança e o temor; sempre que houver completa incerteza, inclina a balança em teu favor: crê no que te agrada. Mesmo que o temor reuna maior número de sufrágios, inclina-a sempre para o lado da esperança; deixa de afligir o coração, e figura-te, sem cessar, que a maior parte dos mortais, sem ser afectada, sem se ver seriamente ameaçada por mal algum, vive em permanente e confusa agitação. É que nenhum conserva o governo de si mesmo: deixa-se levar pelos impulsos, e não mantém o seu temor dentro de limites razoáveis. Nenhum diz:
- Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram.
Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas, fazemos certezas que nos aterrorizam. Como a justa medida não é do nosso feitio, instantaneamente uma inquietude se converte em medo.

Séneca, in 'Dos Reveses'

O que somos e o que é a força em nós - Sêneca


Para dizer a verdade, nem sequer é necessário grande esforço se, como disse, começarmos a formar e a corrigir a nossa alma antes que as más tendências cristalizem. Mas mesmo já empedernidas, nem assim eu desespero: com esforço persistente, com cuidados aturados e intensos, todas as más tendências serão vencidas. Podemos aprumar toros de madeira, por muito tortos que estejam; por meio de calor é possível endireitar pranchas curvas e adaptar a sua forma natural às nossas conveniências. Com muito mais facilidade se pode dar forma à alma, essa entidade flexível, mais maleável que qualquer líquido. De facto o que é a alma senão uma espécie de sopro dotado de certa consistência? Ora tu podes observar como o ar é mais elástico que as outras espécies de matéria por ser a mais subtil. Não há, pois, Lucílio, motivo para desesperares de nós pelo facto de a maldade nos dominar, nos possuir mesmo há tanto tempo: ninguém atingiu a sabedoria sem primeiro passar pela insensatez! Todos temos o inimigo dentro de casa: aprender as virtudes equivale a desaprender os vícios. Com tanto maior vontade nos devemos aplicar a emendar-nos: uma vez aprendidos, os bens da sabedoria permacem para sempre na nossa posse. A virtude nunca se esquece.
As plantas crescem com dificuldade num solo inadequado, e por isso será fácil arrancá-las, eliminá-las; mas colocadas num terreno apropriado ganham raízes firmes. A virtude está de acordo com a natureza; os vícios, esses, são como plantas daninhas e nocivas. As virtudes adquiridas não podem ser extirpadas, é com facilidade que as podemos conservar; adquiri-las, contudo, é tarefa árdua, portanto é próprio de um espírito fraco e doente recear experiências desconhecidas. Obriguemos, portanto, esse espírito a dar os primeiros passos. Passada esta fase o tratamento deixa de amargar e torna-se mesmo, enquanto se processa a cura, uma fonte de prazer. Com os remédios do corpo o prazer só chega depois da cura; a filosofia, pelo contrário, é salutar e saborosa simultaneamente.

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'

Força e o Julgamento - Descartes

É verdade que há pouquíssimos homens tão fracos e irresolutos que desejem apenas o que a sua paixão lhes dita. A maioria tem determinados julgamentos, pelos quais pautam uma parte das suas acções. E embora frequentemente esses julgamentos estejam errados, e mesmo se fundamentem em algumas paixões pelas quais a vontade anteriormente se deixou vencer ou seduzir, entretanto, como ela continua a segui-los quando a paixão que os causou está ausente, podemos considerá-los como suas prórpias armas, e pensar que as almas são tanto mais fracas ou mais fortes quanto menos ou mais conseguirem seguir esses julgamentos e resistir às paixões presentes que lhes são contrárias.
Mas há no entanto grande diferença entre as resoluções que procedem de alguma opinião errada e as que se baseiam apenas no conhecimento da verdade; tanto que, se seguirmos estas últimas, estamos seguros de nunca sentirmos pesar nem arrependimento, ao passo que sempre os temos por haver seguido as primeiras, quando descobrimos que estão erradas.

René Descartes, in 'As Paixões da Alma'

terça-feira, 25 de novembro de 2008

25 de novembro de 2008


Em 25 de novembro de 2008, viso a liberdade como tema! Verá primeiro Vergílio Ferreira mostrando-nos quase instintivamente da liberdade, e de como ela é arisca, teremos de ser orgulhosos para tê-la? Sem dúvida fortes! Em seguida ainda ele comenta sobre a condição da liberdade, sua acidez, que ajuda-nos, mas machuca! E logo em seguida vos entrego o humano Chaplin! A liberdade terá de ser ainda comentada!

Sávio

Onde estará a liberdade? - Vergílio Ferreira


Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros.

Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.

Diz NÃO à cultura com que queiram promover-te, se a cultura for apenas um prolongamento da polícia. Porque a cultura não tem que ver com a ordem policial mas com a inteira liberdade de ti, não é um modo de se descer mas de se subir, não é um luxo de «elitismo», mas um modo de seres humano em toda a tua plenitude.

Diz NÃO até ao pão com que pretendem alimentar-te, se tiveres de pagá-lo com a renúncia de ti mesmo. Porque não há uma só forma de to negarem negando-to, mas infligindo-te como preço a tua humilhação.

Diz NÃO à justiça com que queiram redimir-te, se ela é apenas um modo de se redimir o redentor. Porque ela não passa nunca por um código, antes de passar pela certeza do que tu sabes ser justo.

Diz NÃO à verdade que te pregam, se ela é a mentira com que te ilude o pregador. Porque a verdade tem a face do Sol e não há noite nenhuma que prevaleça enfim contra ela.

Diz NÃO à unidade que te impõem, se ela é apenas essa imposição. Porque a unidade é apenas a necessidade irreprimível de nos reconhecermos irmãos.

Diz NÃO a todo o partido que te queiram pregar, se ele é apenas a promoção de uma ordem de rebanho. Porque sermos todos irmãos não é ordenanmo-nos em gado sob o comando de um pastor.

Diz NÃO ao ódio e à violência com que te queiram legitimar uma luta fratricida. Porque a justiça há-de nascer de uma consciência iluminada para a verdade e o amor, e o que se semeia no ódio é ódio até ao fim e só dá frutos de sangue.

Diz NÃO mesmo à igualdade, se ela é apenas um modo de te nivelarem pelo mais baixo e não pelo mais alto que existe também em ti. Porque ser igual na miséria e em toda a espécie de degradação não é ser promovido a homem mas despromovido a animal.

E é do NÃO ao que te limita e degrada que tu hás-de construir o SIM da tua dignidade.


Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'

Ser Livre - Vergílio Ferreira


É mais difícil ser livre do que puxar a uma carroça. Isto é tão evidente que receio ofender-vos. Porque puxar uma carroça é ser puxado por ela pela razão de haver ordens para puxar, ou haver carroça para ser puxada. Ou ser mesmo um passatempo passar o tempo puxando. Mas ser livre é inventar a razão de tudo sem haver absolutamente razão nenhuma para nada. É ser senhor total de si quando se é senhoreado. É darmo-nos inteiramente sem nos darmos absolutamente nada. É ser-se o mesmo, sendo-se outro. É ser-se sem se ser. Assim, pois, tudo é complicado outra vez. É mesmo possível que sofra aqui e ali de um pouco de engasgamento. Mas só a estupidez se não engasga, ó meritíssimos, na sua forma de ser quadrúpede, como vós o deveis saber.

Vergílio Ferreira, in 'Nítido Nulo'

O Último Discurso - Chaplin


Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio... negros... brancos.

Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do ódio... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.

A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloqüente à bondade do homem... um apelo à fraternidade universal... à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora... milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas... vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia... da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.

Soldados! Não vos entregueis a esses brutais... que vos desprezam... que vos escravizam... que arregimentam as vossas vidas... que ditam os vossos atos, as vossas idéias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar... os que não se fazem amar e os inumanos!

Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, ms dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela... de faze-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo... um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.

É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!

Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!

Chaplin in "O Grande Ditador”

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Estabelecer Princípios - Schnitzler


Hypomnemata, palavra grega para nota, aqui abordada como Sêneca a empregara, como o entendimento a ser recordado sempre, para a construção de si. Hoje, em 25/11/2008, começo o blog com duas citações que comentam sobre princípios, onde Séneca expressa-os em relação ao caráter, e Schnitzler expressa-os em relação à atitude!
Boa leitura para os quase nenhum que se aventuram!

"Existem pessoas que têm propensão para modelar a sua vida de acordo com princípios definidos, - e outras que gostam de forjar os seus princípios de acordo com os acasos do seu destino pessoal. Em ambos os casos trata-se apenas de experimentar tornar a vida o mais cómoda possível, quando o importante é, apesar de tudo, enfrentar cada acontecimento, desembaraçado de qualquer preconceito e prevenção, mesmo correndo o risco de um constante extravio."

(Arthur Schnitzler, in 'Observação do Homem')

A Importância dos Princípios - Séneca

Entre os homens, alguns há que possuem naturalmente um excelente carácter e que assimilam sem necessidade de longa instrução os princípios tradicionais, que abraçam a via da moralidade desde o primeiro momento em que dela ouvem falar; do meio destes é que surgem aqueles génios que concitam em si toda a gama de virtudes, que produzem eles mesmos virtudes. Mas aos outros, àqueles que têm o espírito embotado, obtuso ou dominado por tradições erróneas, a esses há que raspar a ferrugem que têm na alma. Mais ainda: se transmitirmos os preceitos básicos da filosofia aos primeiros, rapidamente eles atingirão o mais alto nível, pois estão naturalmente inclinados ao bem; se o fizermos aos outros, os de natureza mais fraca, ajudá-los-emos a libertarem-se das suas convicções erradas. Por aqui podes ver como são necessários os princípios básicos. Temos instintos em nós que nos fazem indolentes ante certas coisas, e atrevidos perante outras; ora, nem este atrevimento nem aquela indolência podem ser eliminados se primeiro não removermos as respectivas causas, ou seja, a admiração infundada ou o receio infundado.

Enquanto tivermos em nós esses instintos, bem poderás dizer: "estes são os teus deveres para com teu pai, ou para com os filhos, ou para com os amigos, ou para com os teus hóspedes" — o espírito de lucro será sempre uma causa de hesitações. Um homem bem pode saber que se deve lutar pela pátria, mas o medo convencê-lo-á do contrário; pode saber que se deve suar em benefício dos amigos até á última gota de suor, mas o comodismo impedi-lo-á de o fazer; pode saber que a maior ofensa para uma mulher casada é o marido ter uma amante, mas a sensualidade impeli-lo-á a arranjar uma. Por conseguinte, de nada servirá dar conselhos práticos se primeiro se não removem os obstáculos a que esses conselhos sejam seguidos, do mesmo modo que de nada serve pormos à vista e ao alcance de alguém armas que não poderá usar porque lhe não desamarramos primeiro as mãos! Para que a alma possa pôr em prática os conselhos que lhe damos, devemos primeiro desamarrá-la! Imaginemos alguém que procede como deve ser: pode não proceder assim com frequência, pode não proceder assim com constância, porque não sabe por que motivo procede como deve ser. Às vezes, por mero acaso ou em virtude da prática, podemos desenhar linhas rectas, mas não temos à mão uma régua que permita verificar se são realmente rectas as linhas que julgamos tais. Um homem que seja bom por acaso não dá garantias de que será sempre bom!

Séneca, in 'Cartas a Lucílio'